
O ano ainda nem tinha virado e o dicionário Oxford já havia definido que “a palavra de 2016” tinha sido pós-verdade*. Segundo o Oxford, o termo é um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menor influência para moldar a opinião pública do que apelos à emoção e às crenças pessoais”.
Trocando em miúdos, pós-verdade acabou virando um eufemismo para o que não é verdade, ou seja, a mentira. E o termo só chegou à invejável posição de palavra do ano porque esteve presente em eventos dos mais importantes de 2016. Basta lembrar que Donald Trump foi eleito sem precisar comprovar que Obama era muçulmano ou que o desemprego americano estava em 42%, fatos estes lançados durante sua campanha. Ou lembrar que na Colômbia, o ‘não’ saiu vitorioso no referendo sobre o acordo de paz com as Farc somente após o ex-presidente Álvaro Uribe botar terror dizendo que o país viraria uma nova Venezuela e o próximo presidente seria o atual líder das Farc. De onde ele tirou esses dados, ainda não se sabe. Na eleição da capital paulista, o vitorioso João Doria defendeu o aumento das velocidades nas marginais alardeando que não existe correlação entre isso e o número de acidentes. Pesquisas e dados desmentem essa tese.
O poder – já instituído – de gerar conteúdo e propagar opiniões e pontos de vista dá uma nova dimensão à máxima do nazista Joseph Goebbels: uma mentira repetida milhares de vezes torna-se verdade. Se hoje, qualquer um de nós pode inventar a teoria que for, defendê-la com unhas e dentes nas redes sociais e provavelmente conseguir adeptos, o que esperar daqueles que detêm “máquinas” em seu favor?
Tantos estímulos cravejados de pós-verdades têm feito com que nos tornemos consumidores e conhecedores cada vez mais rasos, defensores profundos de informações questionáveis que nem são contestadas. E isso não é algo de que a gente deva se orgulhar.
Focando na nossa área, o mercado tem nos ensinado, ao longo dos anos, que não dá mais pra vender desodorante dizendo que você terá mais sucesso com as mulheres. Ou que tomar o achocolatado X pela manhã vai lhe render superpoderes. Isso tem um motivo bem claro: diferente de boa parte do mundo, a publicidade está na era da VERDADE.
Exemplo disso vem de Átila Francucci, gênio por trás da campanha “Nova Schin” (aquela em que Zeca Pagodinho experimentava a tal cerveja). Na ocasião, ele bradou que a propaganda precisa ser, acima de tudo, verdadeira. Fazendo o papel de advogado do diabo, decretou que o enorme sucesso desse comercial duraria “2 horas”, pois alguém entregaria que o Zeca ainda bebia Brahma.
A publicidade sempre carregou o “demérito” de manipular e criar necessidades que as pessoas não têm. Não é irônico que, no momento em que mais ela se alinha à verdade, a preocupação com a fidelidade daquilo que sai nos formadores de opinião seja tão efêmera? Em meio aos conflitos “verdade x mentira” ou “certo x errado”, é imprudente não estender isso às centrais “tradicionais” de informação do público: a Mídia.
Mesmo com suas inclinações ideológicas (concorde com elas ou não), a mídia ainda sobrevive da sua credibilidade, da veracidade de suas fontes e da “responsabilidade” para com os fatos. Tudo isso não apenas para informar você, mas principalmente para vender seus espaços para publicidade, que é o que de fato sustenta os veículos. Diante da mídia e do que ela divulga, vem a dúvida: você sabe o que está ali para informar e o que está ali para ser vendido? E mais: será que quem não precisa de credibilidade para vender espaços tem tanto compromisso assim com os fatos?
Esse texto é do Nosso Diretor de Criação,
Thiago Tot.
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